quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

INSULTAR OU APLAUDIR MULHERES RICAS, O CULTO AO CAPITALISMO

"Capitalismo é o máximo", diz a faixa

Anteontem vi alguns pedaços de Mulheres Ricas, já que todo mundo no Twitter só parecia falar no novo programa da Band. Não vi inteiro porque o canal pega mal na TV de casa, e também proque é justamente no horário de Amor e Revolução, praticamente a única coisa que vi na TV em 2011.
Bom, de cara, eu não sou o público-alvo de Mulheres Ricas. As tais cinco socialites ostentam carros importados, joias, champanhe e viagens internacionais. Vejamos. Carro, pra mim, é um meio de transporte. Feito pra levar uma pessoa do trecho A ao trecho B. E que deveria ser repensado e substituído por transporte coletivo pra que possamos ter de volta cidades mais humanas. Pra mim nunca foi símbolo de statu
s. Eu mal sei distinguir um Fusca de uma Kombi. Joias? Taí um produto que desprezo totalmente. Não tenho nem orelha furada. Nunca usei; acho horroroso, pra falar a verdade. E se 10% do que é denunciado em Diamante de Sangue for verdade, deveríamos parar com essa besteira de “diamonds are a girl's best friend”. Champanhe? Só bebo água, obrigada. Sem gás. Não engarrafada, que é pra não poluir o meio ambiente com embalagens inúteis. Não tenho problema algum em beber água de torneira, se bem que todos meus amigos de classe média garantem que vou morrer por causa disso. Sobram as viagens internacionais. Ano passado o maridão e eu passamos quinze dias na Europa. Foi bem legal, adorei Paris, queijos e chocolates baratos. Mas, sei lá, não acho que estamos falando do mesmo padrão de andar de jatinho.
Já falei que sou de esquerda e não-consumista? Acho que nem preciso, depois dessa introdução. Eu defendo limites pra riqueza. Acho que ninguém precisa ser bilionário. Aliás, acho imoral que alguns indivíduos tenham mais dinheiro que o PIB de vários países reunidos. E nem estou pensando na África. Nos EUA, as 400 pessoas mais ricas têm mais bens que 150 milhões de americanos juntos. Sinal de um desequilíbrio monstruoso.

Mas este é o nosso mundo. Um mundo em que falar isso que falei já me torna uma dinossaura. Não sei se o capitalismo venceu (é duro considerar vitorioso um sistema que gera tantas desigualdades e que vive uma das piores crises de sua história), mas sem dúvida conquistou corações e mentes. Apesar de todos os Occupy Wall Street e de todos os protestos no mundo inteiro, que me deixam com muita esperança, o que mais vejo são pessoas que querem ser ricas. Não que querem um mundo mais justo, com distribuição de renda menos desigual. Não. O pessoal quer mesmo é enriquecer, e joga semanalmente na loteria pra sonhar com este dia que jamais chegará. A diferença, talvez, é que hoje muitos jovens sabem que pouquíssimos ganham na megasena, e que trabalhar não torna ninguém milionário. Mas isso só faz com que fiquem mais cínicos. A revolta não é mais contra a injustiça do mundo, é contra a injustiça que eles não sejam ricos.Temos que mudar essa mentalidade. Eu não quero ser rica. Tenho tudo que quero. Se eu tivesse um milhão de dólares a mais minha vida não seria diferente. Já sou privilegiada. Não quero melhorar de vida, quero que aqueles que estão numa situação muito menos privilegiada que a minha melhorem de vida.
Mas no nosso mundo cultuamos os ricos. Há revistas dedicadas a eles, listas dos mais mais. O pessoal parece se lixar com que Bill Gates tenha um monopólio que lhe rende bilhões de dólares -– o importante é que ele faz doações! Ter uma dúzia de bilionários de “bom” coração vale mais do que ter governos que garantam justiça social. Caridade é muito mais importante que direitos!, berra o pensamento dominante. Só que no Brasil não existem ricos. Pelo jeito ninguém é rico. Já viu como a mídia se refere aos bairros onde só vivem ricos? “Bairro de classe média alta”. Temos classe média alta, mas não ricos. Nem o Ermírio de Moraes se considera rico. Fica uma coisa meio esquizofrênica: as pessoas querem ser algo que nem existe! A resposta pra velha pergunta “Qual a primeira coisa que você faria se ficasse rico?” é “Eu negaria que fiquei rico” (mas não se preocupe, que você não vai ficar rico).
As cinco retratadas de Mulheres Ricas negam ser ricas. Algumas disputam entre si quem é a mais endinheirada, uma diz que a outra está falida, outra que ela é melhor por ser rica de berço (sinceramente, não sei bem quem é quem, e não me interessa. Um jornalista reaça como o Guilherme Fiúza poderia namorar qualquer uma delas, e eu acharia coerente).Até entendo que a galera de esquerda ria dos ricos. No entanto, não faz muito sentido o pessoal conservador vilanizar os ricos. Mas aí é que está: eles, nós, direita, esquerda, não vilanizamos os ricos. Só as ricas. É a esse propósito que o programa da Band serve. Que, aliás, não é só o programa da Band. Existem vários por aí que têm o mesmo formato, como The Real Housewives of Orange County, que mostra americanas abastadas de subúrbio, vivendo suas vidas luxuosas e morrendo de medo de envelhecer.
Imagine se o programa se chamasse Homens Ricos. Seria totalmente diferente -– e muito mais respeitado. Aí poderíamos fingir que homens ricos sim trabalham e merecem ter a fortuna que exibem. Afinal, termos como perua e socialite só existem pra definir mulheres. Homem rico é playboy. Se for jovem, talvez filhinho de papai (que também serve pra qualquer rapaz de classe média). A gente não vê chamarem ricos midiáticos como Eike Batista, Roberto Justus ou João Dória Jr de fúteis. Seus itens de consumo, suas plásticas, suas obsessões por roupas e carros devem ser tão fúteis quanto os da Narcisa, mas fútil é ela, não eles. Então, beleza: a gente libera todo o nosso machismo, ri sem vergonha das madames patéticas e conclui que não, não é a riqueza que é fútil. São as mulheres que usufruem dela.Programas como Mulheres Ricas não são contra o capitalismo. Muito pelo contrário. É o próprio sistema dizendo Eis seus ídolos de barro para serem idolatrados. Alguns espectadores assistem à atração da Band como inspiração; outros para rir das peruas. E assim tod@s seguimos alegres criticando as socialites, e não o sistema que possibilita que inutilidades assim existam. Mas fica a dúvida: quem está rindo de quem?

Do Blog Escreva Lola, Escreva.

Nada à acrescentar.

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