domingo, 28 de agosto de 2011

A invenção de um povo...

A História Oficial, cujo conceito é extremamente pejorativo no meio acadêmico, soando como a "mentira oficial", tem suas teses baseadas na visão dos vencedores, utilizada de forma política, para tornar real, factual e oficial, a versão desses e seus mitos.

Um povo inteiro, toda uma nação, um conceito de país, sua instalação e manutenção podem ter sido fruto de uma argumentação fajuta, utilizada para justificar a invasão, conquista e completa dominaçao de uma área, onde existia um Estado, e hoje, existe outro.

A História Oficial de Israel, e do povo Judeu sofre com a publicação do livro "Quando e como se inventou o povo judeu" de Shlomo Sand.

O autor fala sobre sua obra na entrevista abaixo, publicada no Le Monde Diplomatique:

O historiador israelita Shlomo Sand questiona vários dos mitos oficiais do sionismo no livro “Quando e como se inventou o povo judeu“.
Shlomo Sand, professor de História da Europa na Universidade de Tel Aviv, publicou o polêmico livro “Quando e como se inventou o povo judeu”, onde questiona alguns princípios da história sionista oficial.
As teses que defende Shlomo Sand mantiveram o seu livro em diversas listas internacionais dos mais vendidos durante um longo período de tempo.
O livro manteve-se várias semanas na lista dos mais vendidos em Israel. Por isso, Shlomo teve que pagar o preço de receber ameaças e insultos anónimos, chamando-lhe kelev natzi masria (cão nazi mal-cheiroso) e outras. Contudo, não parece muito preocupado. O livro contém duas teses que no passado tiveram certa aceitação entre historiadores sionistas, mas que atualmente se encontram arquivadas: que os atuais judeus proveem de povos pagãos que se converteram ao judaísmo longe da Palestina, e portanto não descendem dos antigos judeus, e que os palestinianos árabes são os únicos descendentes dos antigos judeus.
“Os palestinianos são os autênticos descendentes dos judeus”
- Dizer que o povo judeu é uma invenção do século XIX parece uma provocação.
- No final do século XVIII e princípio do XIX surgiu o nacionalismo, e durante a segunda parte do séc. XIX cimentou-se a ideia do nacionalismo judeu. Os franceses sabiam que o seu povo existia desde os gauleses, os alemães que existiam desde os teutões e os judeus começaram a pensar que eram um povo desde o segundo Templo.
O Estado de Israel diz que é o Estado do povo judeu e que é um Estado democrático e judeu, o que é um oximoro, uma contradição”
- Na sua opinião isso não é correcto.
- Defendo que isso é uma “invenção”, como também não creio que existisse um povo francês 250 anos atrás. A maioria que vivia no reino francês não sabiam que eram franceses, inclusive não o sabiam na primeira metade do século XIX.
- Contudo, os judeus sempre tiveram uma identidade.
- Não creio que tivesse existido um povo judeu até recentemente. Inclusive lhe direi que penso que nem hoje existe um povo judeu.
- Porquê?
- A Bíblia não é um livro de História, é um livro de Teologia. Foram os protestantes, e depois os judeus, que converteram a Bíblia num livro de História.
- O povo judeu é uma invenção cristã?
- Exatamente. Vejamos, por exemplo, o suposto exílio judeu. O exílio nunca existiu. Quando os romanos destruíram o Templo no ano 70 da era cristã, não expulsaram os judeus pela força. Os romanos nunca exilaram a povos, algo que sim fizeram os assírios e os babilônios com algumas elites.
- Quando começou então essa versão da história?
- A história sionista aproveitou o mito cristão do mártir Justino, que foi o primeiro a afirmar, no século III, que Deus castigou os judeus com o exílio porque não aceitaram Jesus. Essa foi a primeira vez que se afirma que os judeus foram deportados.
- Então, não houve deportação…
- É verdade que os romanos não permitiram aos judeus viverem em Jerusalém, mas os cristãos criaram a fantasia de que não se lhes permitiu viver em toda a Judeia. A raiz do mito do exílio judeu é cristã. Jamais houve exílio. Não existe nenhum livro científico que o afirme. Nas notas de 50 shekels diz-se que Tito deportou os judeus, mas isso é um mito.
- Isso vai contra o que se afirma normalmente.
- Exato, embora atualmente existem historiadores que dizem “Bom, não houve exílio mas sim que houve emigração”. O certo é que como os gregos e os fenícios, os judeus viajaram pelo Mediterrâneo…
- E isso não é correto? Na Península Ibérica já havia judeus nessa época.
- Antes de Jesus Cristo havia na Palestina entre meio milhão e um milhão de judeus. A grande maioria, noventa ou noventa e cinco por cento, eram camponeses. Os judeus não eram como os fenícios ou os gregos, não viajavam tanto pelo mar. A proporção dos que saíram é infinitamente muito pequena.
- Mesmo depois da destruição do Templo no ano 70?
- Inclusive nessa época. O que aconteceu antes do ano 70, no período que vai dos Macabeus a Adriano, foi que o judaísmo começou a dispersar-se. Atenção, foi o judaísmo que se dispersou, não os judeus. É verdade que saíram comerciantes e soldados que levaram consigo a ideia monoteísta, mas não foram muitos. Os Macabeus conquistaram Edom e obrigaram pela força os seus habitantes a converterem-se ao judaísmo. O mesmo aconteceu em Galileia. Desde o século II antes de Cristo até ao século II depois de Cristo, o judaísmo foi a primeira religião monoteísta proselitista.
- Mesmo durante a diáspora?
- No Mediterrâneo, no final do século I depois de Cristo havia quatro milhões de crentes judeus. Foi durante esse período proselitista quando o judaísmo se projeta no Mediterrâneo.
- Quer dizer que a maioria dos judeus do Mediterrâneo não vieram da Palestina?
- Efetivamente, a grande maioria não são originários da Palestina. Foram convertidos. Desde a época de Adriano, no século II, verificou-se uma drástica queda do número de judeus porque muitos se converteram ao cristianismo. De quatro milhões de crentes judeus passou-se a um milhão.
- Converteram-se ao cristianismo?
- E o que vou a dizer agora está relacionado com a Península Ibérica. No início do século IV produz-se a vitória do cristianismo com Constantino e decresce o número de judeus. O judaísmo prevalece especialmente em Palestina, em Babilônia e no Norte de África. No Norte de África, no século VII, quando chega o Islão, são os judeus que lutam contra os muçulmanos. Existiu uma rainha judia berbere, Dahia Kahina, que lutou contra os muçulmanos. O historiador árabe Ibn Jaldun menciona que na zona havia tribos judaicas muito grandes. A rainha Kahina morreu lutando contra os muçulmanos em 694. Tariq ibn Ziyad, o conquistador da Península Ibérica em 711, era berbere. Existem muitos testemunhos antigos cristãos que afirmam que os conquistadores eram judeus e muçulmanos. Muitos judeus juntaram-se ao exército muçulmano porque sofreram muito durante os reinos visigodos.
- Só então entram os judeus de forma massiva na Península Ibérica?
- Frequentemente me perguntava porque havia tantos judeus na Península Ibérica e não em França ou Itália, porque havia tantos judeus no lugar geograficamente mais afastado da Palestina. É óbvio que houve alguns soldados e comerciantes que se converteram, como em França ou Itália. Mas porque de repente há tantos judeus na Península? Creio que a resposta tem que se procurar na conquista berbere de judeus e muçulmanos. O conquistador Tariq ibn Ziyad pertencia à tribo Nafusa, a mesma tribo da rainha Kahina. Se em 711 Tariq ocupou um posto tão destacado, é bastante provável que em 694 fosse um soldado no exército judeu de Kahina. Não pode ser de outra maneira. Certamente Tariq foi um judeu que se converteu ao islão. Se lemos os testemunhos antigos, constatamos que os cristãos acusam conjuntamente muçulmanos e judeus da conquista da Península. Creio que é por isso porque o número de judeus em Espanha é tão superior ao número de judeus em França ou Itália.
- Então a maioria dos judeus da Península Ibérica provinha de judeus berberes convertidos?
- Efetivamente. Colocarei outro exemplo, os judeus de Iêmen. Também existiu um reino judeu em Iêmen durante 120 anos, no final do século V e princípio do VI; uma tribo que se tinha convertido ao judaísmo.
- Você menciona também o reino dos cázaros, um povo originário de Ásia Central, que se converteu ao judaísmo.
- Com os cázaros aconteceu exatamente o mesmo: é o judaísmo, não os judeus, o que se expande. A massa demográfica mais numerosa é a dos cázaros. É curioso que o sionismo reconhece a importância dos cázaros até 1967 e depois deixa de ser uma tese legítima.
- Dos cázaros proveem os judeus asquenazitas de Europa?
- Assim é. Os mongóis expulsaram os cázaros para Europa. Não pode ser que os judeus de Polônia tenham vindo de Alemanha, porque em Alemanha, nos séculos XII e XIII, apenas havia uns centos de judeus, não se pode passar de um dia para o outro a três milhões de judeus na Polônia, é simplesmente impossível. Os judeus de Polônia e de outros países da Europa Oriental, só podem descender dos cázaros. Ainda em 1961 havia um prestigiado historiador israelita que afirma que os cázaros são os antepassados dos judeus de Europa Oriental. Naquela altura ainda se aceitava que não provinham da Alemanha.
- A sua teoria é que a maior parte dos judeus de hoje não proveem da Palestina mas de outros povos que se converteram ao judaísmo.
- Exato. Mas existe outra questão importante: se não houve exílio da Palestina, se os romanos não expulsaram os judeus, que aconteceu aos judeus da Palestina? Existem muitos historiadores israelitas, incluídos Yitzhak ben Zvi, o segundo presidente de Israel, ou David ben Gurion, que até 1929 afirmavam que os palestinianos árabes são os verdadeiros descendentes dos judeus. Esta tese, defendida pelos principais sionistas, morreu em 1929. Ainda em 1918 Ben Zvi e Ben Gurion escreveram juntos um livro onde afirmavam que os palestinianos são os autênticos descendentes dos judeus. Contudo, dizer isto hoje em dia causa escândalo.
- O sionismo não o aceita.
- É importante entender que existem duas versões do nacionalismo, uma do rio Reno para Ocidente e outra do Reno para Oriente. Em todas as partes se inicia o nacionalismo como um fenômeno racista etnocêntrico, mas em Ocidente deriva num movimento político civil. Ao contrário, a Oriente do Reno prevalece o seu carácter etnocêntrico. Em ambas as partes há racismo. Em França, se tens a nacionalidade francesa és francês, em virtude dos valores republicanos. Mas na Alemanha, mesmo que tenhas a nacionalidade não és necessariamente alemão. Em Polônia, desde 1919, se não és católico não és polaco. O sionismo nasceu entre Alemanha e Polônia e por isso tem uma forma meio alemã meio polaca.
- Mas um judeu é o filho de uma mãe judia.
- Sim, segundo a lei religiosa, mas para o sionismo o judaísmo é povo e nação. Não se pode entrar mas também não se pode sair. Só podes entrar se te convertes religiosamente. O sionismo não era religioso mas utilizou a religião porque não dispunha de outros instrumentos para delimitar o judaísmo. A minha tese é que o sionismo adotou componentes etno-religiosos dos polacos e etno-biológicos dos alemães e criou uma espécie de nacionalismo fechado, que não é político nem civil como foram os nacionalismos ocidentais.
- E quais as suas previsões para o futuro?
- Hoje em dia o sionismo conserva o seu carácter etnoreligioso e creio que isso destruirá o Estado de Israel.
- Porquê?
-O Estado de Israel afirma que é o Estado do povo judeu e que é um Estado democrático e judeu, o que é um oximoro, uma contradição. Um Estado democrático pertence a todos os seus cidadãos. Uma quarta parte dos cidadãos de Israel não são judeus, mas o Estado afirma que pertence somente aos judeus. Existem leis que dizem que o Estado é judeu e que o Estado não está aberto aos outros. O sionismo não reconhece os “israelitas” não judeus e isso não pode continuar. Mesmo que Israel saia dos territórios ocupados não haverá calma. Os árabes estão vivendo num Estado que diz que não é deles, em cujo hino nacional se fala do “espírito judeu”. Quanto tempo poderá durar esta situação?

Autor: Eugenio García Gascón



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