sábado, 25 de dezembro de 2010

"Então é natal"

Transcrevo texto do historiador Mário Maestri, publicado no Blog Diário Gauche, a respeito da hipocrisia da celebração da data de hoje.
Sem delongas:

Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral


Por que não festejo e me faz mal o Natal

Não festejo e me faz mal o natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de "pai eterno", pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo, necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.

Sobretudo como historiador, não vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o exigido pelo invasor romano: "Dai a deus o que é de deus, dai a César, o que é de César"!

O natal me faz mal por constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.

Não festejo e me desgosta o natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo, simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos males sociais e espirituais da humanidade.

Desgosta-me o caráter anti-social e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família restrita, mesmo os que não se frequentaram e se suportaram durante o ano vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.

Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral, com que a grande mídia nos intoxica com impudícia crescente, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo, ao igual dos armistícios natalinos das grandes guerras que reforçavam, e ainda reforçam - vide o peru de Bush, no Iraque - o consenso sobre a bondade dos valores que justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.

Não festejo o natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.

Por tudo isso, celebro, sim, o Primeiro do Ano, festa plebéia, aberta a todos, sem discursos melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.

Artigo do professor e historiador Mário Maestri, publicado originalmente no portal La Insignia, em dezembro de 2006.

Nota do blogueiro: Irrita-me essa data, pelas razões citadas por Maestri, e o fato de não haver espaço para a contestação de seu significado (ou não-significado).
Irrita-me sobremaneira, a forma como cristãos e o comércio deturpam a tudo nesse período, criando significados natalinos para o que originalmente não tem, e nunca teve.
É o caso da "interpretação que a cantora Simone, e sua gravadora deram a música Happy Xmas, do cantor e compositor John Lennon.
A música de Simone, utilizando-se de uma parte do refrão da música de Lennon, remete o ouvinte às crendices e tradições bíblico-comerciais das festividades natalinas, enquanto a música Happy Xmas é baseada em uma campanha anti-guerra (no caso a sangrenta e altamente impopular guerra do Vietnã), levada a cabo pelo cantor e sua esposa, Yoko Ono, no final de 1969.
Tal campanha que alugou outdoors e cartazes em onze cidades em todo o mundo, nos quais anunciava: "War is over/If You Want It/Happy Christmas John e Yoko!" (A guerra acabou/Se você quizer/Feliz natal John e Yoko). As cidades incluídas Nova Yorque, Los Angeles, Toronto, Roma, Atenas, Amsterdam, Berlim, Paris, Londres, Tóquio, Hong Kong e Helsinque.
Lennon denuncia a hipocrisia do "feliz natal", exposta por Maestri, a cantora Simone quer preservá-la, com essa versão "carola" e totalmente desfigurada, alijada de seu significado orignal.
Aproveite e veja as cenas utilizadas para a elaboração desse vídeo clip, combinam muito com uma data de reverência ao comércio burgês, fomentador de guerras e incontáveis massacres:


ET: Por alguma razão, totalmente desconhecida por esse blogueiro, não é possível incorporar esse vídeo ao Blog, mas clicando no link acima é possível acessá-lo. 

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