terça-feira, 29 de junho de 2010

Um pouquinho do liberalismo...

Por Juremir Machado da Silva:

Triste Paraguai

O jornal espanhol “El Pais” fez a reportagem sobre o Paraguai que a mídia brasileira não faz por conservadorismo. Mostrou que um pequeno exército guerrilheiro, com cerca de 20 integrantes, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), é o resultado da miséria absoluta gerada por um país de grandes fazendeiros fora da lei, reunidos numa tal de Associação Rural, cujo principal objetivo é forçar a derrubada da mata nativa que resta e evitar o pagamento de impostos sobre a exportação de soja e carne. Segundo a matéria do “El Pais”, o Paraguai tinha até pouco tempo fazendas com mais de 400 mil hectares, uma delas com mais de 300 km de frente cercados. Ou seja, o horror como latifúndio.
Quem se importa com isso no Brasil? A nossa mídia está mais preocupada em chamar o presidente Fernando Lugo de populista e em contar os seus filhos. A reportagem revela aspectos sensacionais: “A Comissão de Verdade e Justiça, criada com a ajuda da ONU, estima que 64% das cessões realizadas desde 1954 – desde a chegada ao poder do ditador Alfredo Stroessner – foram ilegais: centenas de milhares de hectares de terras invadidos e dezenas de milhares de agricultores despojados e maltratados”. Deve ser por isso que a direita, em qualquer lugar, sempre rejeita propostas de criação de comissões da verdade. O generoso Brasil deu asilo ao ditador Stroessner.
O primeiro presidente “democrático”, segundo o jornal “El Pais”, não fez melhor pelos seus compatriotas: “O ex-presidente Andrés Rodríguez, por exemplo, que expulsou Stroessner quando este fechou sua firma de câmbio, já tinha se apossado de milhares de hectares e aproveitou o cargo para se apoderar de outros 2 mil. Foi o primeiro presidente democrático, para dizer algo, mas segundo o governo dos EUA o general Rodríguez também era o chefe do chamado Cartel do Paraguai, encarregado, como o próprio Stroessner, de proteger os bandos de traficantes de maconha e as fabulosas redes de contrabando que operavam e operam no país”.
Não me lembro de ter lido isso em jornais como o Estadão? A minha memória, em todo caso, é muito fraca.
O Brasil tem parte nesse latifúndio. Boa parte das terras da região onde transitam os guerrilheiros do EPP pertence a empresas verde-amarelas, entre as quais a tal Mate Laranjeira. O negócio, ao que parece, é espetacular: imposto zero, a utopia de muitos liberais brasileiros, Estado mínimo, lei do mais forte, mão de obra barata, quase escrava, ausência de custo do trabalho, inexistência de sindicatos para incomodar e terras fartas e férteis a dar com um pau. O pau é dado no lombo da peonada para que ela seja produtiva. Um paraíso nada falso. Problemas surgem vez ou outra. Por exemplo, um fazendeiro sequestrado e um resgate a pagar. Aí, sim, os produtores rurais reclamam a presença do Estado.
Um jovem paraguaio cansado de guerra compreendeu tudo, o que se pode apreciar nesta fórmula genial: “Os fazendeiros só querem o exército, e não o Estado".
É um fenômeno muito comum, do qual o Brasil não escapa. Ainda há muitos “investidores” e “produtores” que do Estado só querem a repressão, a mão armada, de preferência, gratuita, ou paga com impostos de outros.
O sonho de alguns é que a massa pague impostos para armar os exércitos capazes de reprimi-la.
Triste Paraguai.
Tão longe, tão próximo.
O jornal “La Nacíon” espantou-se, porém, unicamente com a descoberta de uma cartilha do EPP, que publicou e transformou numa prova de que algo vai mal no Paraguai.
O resto, claro, vai muito bem.

Texto extraído do blog do sociólogo, mantido no site do jornal Correio do Povo.

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