domingo, 22 de fevereiro de 2009

Não é somente uma crise econômica, é uma crise de humanidade.

Crise na alma do homem
Por Mauro Santayana

Do momento em que desperta ao momento em que o cansaço o prostra, o homem moderno está preso à engrenagem da vida econômica, como o inseto à teia da aranha.

A crise econômica mundial é muito mais do que a desorganização do sistema financeiro, em consequência da roubalheira dos administradores dos grandes bancos e de outras entidades de créditos e seguros. O dinheiro é produto do sistema econômico, isto é, dos processos de produção. Assim é o método moderno de produção capitalista, grande responsável pelo mal-estar da sociedade contemporânea, que coloca o lucro em primeiro lugar e abomina a distribuição de renda do trabalho.

Até o século 19, a ideia da produção estava associada à necessidade dos nobres e dos trabalhadores. Produzia-se para comer, para vestir, para educar-se, emocionar-se (com a arte), em suma, para viver. A ciência não tinha o propósito de se transformar imediatamente em tecnologia, a não ser na aplicação militar, porque os povos sempre quiseram contar com armas mais práticas e mais letais. Fora disso, até o século 19, a evolução dos processos de manufatura foram lentos: dos gregos até a máquina a vapor a força motriz era a dos animais e dos moinhos. O uso dos motores a vapor iniciou a Revolução Industrial, que utilizou os recursos monetários disponíveis (o ouro e a prata da América) para estabelecer, com o comércio e as armas, o Império Britânico.

A velocidade e o volume da produção de bens de consumo, verificados nos últimos 200 anos, mudaram a natureza do homem. Ele deixou de ser senhor dos processos criados, para se tornar seu servidor. A máquina esse complemento morto de um organismo vivo, o do trabalhador é que dita os ritmos de produção. Conforme a descoberta assustadora dos filósofos da Escola de Frankfurt, inverteu-se a razão: os seres mortos, animados pelas forças domadas da natureza, impõem seu ritmo ao mundo. É a vitória, de Tanatos, a divindade da morte, sobre Eros, o impulso do amor, da criação, enfim, da vida.

A História tem registrado crises cíclicas do capitalismo. São os desajustes entre a velocidade de produção e a do consumo, quando, por saturação de mercado (como, entre outros, o caso dos automóveis vendidos em até 80 prestações mensais), ocorre a recessão. Os fabricantes reduzem suas atividades, a fim de proteger o capital, e os consumidores também diminuem as compras, prevenindo-se. O exame das ondas recessivas do passado mostra que, a cada crise, ela é maior e mais devastadora. E no caso da recessão atual, há novos fatores envolvidos, além dos meramente econômicos.O mais importante desses fatores novos é a exaustão dos seres humanos, transformados em meros instrumentos da sociedade tecnológica de consumo. Do momento em que desperta ao momento em que o cansaço físico o prostra, o homem moderno está preso à engrenagem da vida econômica, como o inseto à teia da aranha. Os meios de comunicação se lembram, todas as horas, de incitá-lo a competir, a frequentar cursos e a comprar livros que o façam vencer seus “rivais” na escola, na empresa, na vida, não importa como. Ao mesmo tempo fornece os famosos livros de duvidosa religiosidade, para ensinar-lhe a expurgar seus sentimentos de culpa.

Outro fator, esse mais terrível, é o do cansaço da natureza. Os homens perderam a noção de que não passam de seres vivos iguais aos outros, que se destacaram na natureza pelas circunstâncias de sua história especial. Perderam a consciência de que nasceram para usufruir a natureza, não para destruí-la. Esquecem que a natureza tem compromisso com a vida e não com uma espécie em particular.

Como as sociedades raramente suicidam-se, é possível que, diante da catástrofe, sendo anunciada desde a primeira Conferência do Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972, os grandes tomem juízo. É possível, mas não provável, porque todas as medidas previstas contra a crise visam salvar o capitalismo de modelo norte-americano, ao salvar os bancos ‐ geridos por ladrões de Wall Street, e outros em lugar de substituir o sistema por outro, na medida do homem e da lógica da vida.

Nota do blogueiro:
No livro, Viver Para o Consumo, do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, há um comentário a respeito de um conceito de Karl Marx, chamado de "Fetichismo da Mercadoria". De acordo com Marx, a sociedade de produtores estava construindo símbolos, juntamente com a mercadoria. esses símbolos, nada mais são do que o apagamento da história, do envolvimento humano, na produção do item, transformando mercadorias em "seres em si".

Bauman complementa, afirmando que o Fetichismo leva a mercadoria de "um produto profundamente humano" a uma absurda posição de "autoridade sobre-humana mediante o esquecimento ou a condenação á irrelevância de suas origens demasiado humanas, juntamente com o conjunto de ações humanas que levaram ao seu aparecimento e que foram condições sine qua non para que isso ocorresse".

Trocando em miúdos: Produzimos coisas e deixamos que elas nos conduzam, produzimos deuses e oramos para eles, produzimos um "mercado" e somos hoje incapazes de controlá-lo.

Passamos da condição de produtores, à condição de produto. E essa crise de humanidade, não pode ser revertida com pacotes econômicos, com os governos enchendo os cofres dos produtores de tal miséria. Passa necessariamente por uma reorganização do sistema produtivo, em algo mais racional, atendendo demandas reais, e não mais à voracidade de uns, e a alienação dos demais.

Um novo Estado, uma nova economia, uma forma de resgatar o homem, alçando-o a sua real condição, a de produtor (não de coisa), a de agente político (e não produto), deixando a condição de simples número, objeto, coisa, para torná-lo agente condutor do "Bonde da História".

Nenhum comentário: