quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

RBS quer voltar à casa do pai

Uma breve análise histórica da imprensa escrita da "Província de São Pedro", nas palavras do sociólogo Cristóvão Feil, postadas no Diário Gauche.
De partido político da direita guasca à Disneylândia de bombachas?

Não é de estranhar que o jornal Zero Hora ao falar em Guerra Fria no Rio Grande (ver suelto abaixo, de 26/1) esqueça de mencionar que um dos combustíveis do conflito Leste-Oeste foi o anticomunismo.

No RS, hoje, o anticomunismo foi atualizado por um sucedâneo ideológico chamado antipetismo. O constructo do antipetismo é uma construção puramente mental – a exemplo do anticomunismo – usado com a funcionalidade de impressionar os espíritos simples do senso comum e mobilizar preconceitos e mitos os mais arraigados.

Quando esses elementos primitivos são excitados no fundo escuro de um espírito ingênuo ou mal formado, a razão passa longe e o indivíduo fica dominado por sensações que vão do medo à intolerância mais funda – presa fácil da propaganda mais simplificadora e rebaixada.

O anticomunismo tinha o mesmo efeito que o bicho-papão para as crianças. Ambos não existiam, mas operavam no susto. A velha União Soviética nunca quis exportar a revolução, aliás, um dos motivos pelos quais não se pode chamar aquele falecido regime estatal de comunista ou socialista.

Se o comunismo foi um bicho-papão que não era bicho nem papão, o mesmo se pode dizer do petismo, especialmente na atual fase de descenso e acomodação conciliatória.

Como se vê, a RBS usa velhos truques manjados para continuar assustando a população menos atenta com tigres de papel pintado.

O Rio Grande do Sul sempre se notabilizou por ter uma imprensa partidária forte e atuante. Do final do século 19 até boa parte do século 20, o Estado e suas principais cidades do interior ostentaram jornais e publicações identificados com os partidos políticos que faziam o debate público regional. O castilhismo-borgismo fez a sua revolução burguesa também através das páginas de “A Federação”, bem como os órgãos de imprensa alinhados com os maragatos, ferrenhos opositores dos republicanos sul-rio-grandenses.

A luta das frações de classe burguesa no Rio Grande sempre foi pública e publicada, pelos menos até o advento do golpe de 1964. Com o regime civil-militar golpista houve um rearranjo neste esquema.

Os dois principais jornais do RS – Zero Hora e Correio do Povo – modificam a trajetória de alinhamento político da imprensa regional. O Correio, criado em 1895, surgiu precisamente para quebrar o paradigma de que jornal deveria estar vinculado a partido político, e não se afiliou a nenhuma linha partidária, mas acabou ficando porta-voz do latifúndio e do setor primário em geral. Hoje, completamente desfigurado é apenas uma caricatura do seu passado.

O jornal ZH, do grupo RBS, é criado imediatamente após o golpe de abril de 1964 e se fortalece à sombra do crescimento da televisão como meio de comunicação de massa no Estado. ZH não tem a mesma origem dos demais órgãos de imprensa do País, cuja personalidade como jornal forjou-se na forma tradicional de fazer diários. Zero Hora resultou da reciclagem errática de um jornal com opinião política aberta – a Última Hora – e firma-se como orgão de mero apoio comercial à mídia televisão, uma espécie de revista de variedades, com notícias e informações em segundo plano. Seu criador, Maurício Sirotsky Sobrinho, sempre foi um animador de programas de auditório com afinado instinto comercial, e depois proprietário de rádios, e jamais teve formação de jornalista militante de redações diárias. Esse é um dos motivos de ZH ser tão pobre em texto e reportagem, as bases são insólitas e não há o menor traço de pedigree jornalístico.

Criado e crescido, portanto, na estufa morna da ditadura civil-militar, ZH cultivou hábitos de ocultar sua filiação político-ideológica, preferindo a política da dissimulação e da camuflagem. Mas isso não significa que não tenha personalidade política e identificação ideológica, ao contrário, não só ZH mas os demais veículos da RBS acabaram ocupando a lacuna funcional dos anêmicos partidos cartoriais do conservadorismo guasca.

Existe alguma ilegitimidade ou ilegalidade nesta representação política delegada da direita? Na origem, nenhuma. O que se contesta é a ocultação permanente desta representação. Aí passa a constituir-se num desvio de função e numa falsidade ideológica (para não falar em constituição de oligopólio de meios de comunicação, que é considerado crime, ao qual o MP Federal de Santa Catarina já está investigando) que deve ser reprovada e denunciada todos os dias.

Recentemente, o grupo RBS recebeu aporte de capital do investidor Armínio Fraga, cerca de 4% do seu capital social. Objeto do aporte: tornar um braço do grupo um forte player no ramo do entretenimento de massas no Brasil.

Vê-se que a RBS retorna ao seu leito de origem, como no mito bíblico, o bom filho à casa torna. Maurício Sobrinho, seu fundador, foi um animador de auditório bem sucedido, pois, agora, seus sucessores fazem justiça ao legado do patriarca voltando ao ramo do entretenimento – de onde nunca deveriam ter saído.

Agora, espera-se que dêem o looping negocial: que saiam do ramo partido-político-da-direita-guasca e migrem em definitivo para adotarem o figurino da Disneylândia de bombachas.

Que Ha-shem os ilumine (e Fraga os financie)!

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