sábado, 15 de novembro de 2008

Juremir Machado da Silva

Mais uma vez reproduzo uma crônica do sociólogo Juremir Machado da Silva, na qual ele relata acontecimentos de uma localidade do interior, onde eventos fantásticos ocorreram durante a última semana.

De acordo com Juremir, toda e qualquer semelhança com o golpe sofrido pelo povo de Porto Alegre, com a alteração da lei que impedia "grandes obras" na orla do Guaíba, é apenas coincidência.



TIÃO, O MODERNIZADOR

Por Juremir Machado da Silva


Palomas tem vivido momentos históricos palpitantes. É uma polêmica atrás de outra. Em meio às escaramuças, desponta uma figura destemida, Tião, o modernizador. Normalmente gentil, cordato e afetuoso, Tião, nos últimos tempos, tem rugido como um leão. Primeiro, conseguiu proibir a circulação de carroças nas ruas do vilarejo, em defesa dos cavalos, bichos maltratados e infelizes, cuja magreza e olhos melancólicos denunciam a grande miséria deles e dos seus donos. A medida, no entanto, é extremamente complicada para os pobres de Palomas, que ganham a vida catando papel. Mas os carros flamejantes precisam andar rápido, não podem ser atrapalhados por meios de transporte primitivos, feios e sujos. As carroças são péssimas para a imagem de Palomas no exterior (em Rivera, por exemplo). Dentro de alguns anos, graças a essa medida modernizadora, Palomas estará, enfim, livre dessa chaga, pois há um prazo a ser cumprido. O desenvolvimento precisa, às vezes, de alguns trancos. Era fundamental uma lei contra maus-tratos a cavalos. Agora só falta uma lei contra maus-tratos a carroceiros.


Nesse acelerado processo de modernização, Palomas aceitou passivamente a retirada dos pobres da orla do seu rio. A lei impedia moradias à margem do Goiaba. Tião não se notabilizou pelo combate contra a remoção dos moradores da favela Sai-Sai. Talvez o tenha feito sem que a mídia palomense tenha notado. A mídia palomense, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, é tendenciosa e parcial, parte dela tendo inclusive interesses imobiliários incompatíveis com informação. A ralé acabou enxotada. Mais uma vez, Palomas deu um salto para o futuro, tornando-se mais bela e limpa, rumo ao Primeiro Mundo. Tinha cabimento a plebe querer morar num cenário de cartão-postal protegido por uma lei de preservação permanente? Curiosamente, depois dessa limpeza, apareceu um projeto radical de modernização. Tião aderiu.


O tal projeto prevê a construção de espigões à margem do Goiaba, justamente numa área de proteção permanente. Para tornar um ângulo do pôr-do-sol privilégio ao alcance de poucos aquinhoados, seria necessário superar um pequeno obstáculo: a legislação em vigor. Tião votou pela mudança da lei. Lutou com unhas e dentes pela modernização e pela revitalização da orla palomense. É sabido desde tempos imemoriais que pobres morando em algum lugar representam atraso. Ricos, contudo, encarnam a modernidade e a beleza. Em lugar de barracos, arranha-céus. Muita gente atrasada, especialmente entre os jornalistas, levantou-se contra o projeto modernizador. Tião, que nem era o pai da idéia, enfureceu-se e ameaçou processar um colunista rastaqüera. Qualquer semelhança desse relato com o que acontece em outros lugares é mera coincidência. Palomas é original. Nada disso deve ser verdade. A prova de que é ficção, tão ao gosto da gente daquelas plagas, é que Palomas nem tem rio. No máximo, um arroio desplumado, longe da zona central. Certo, porém, é que Tião, o modernizador, ainda vai fazer de Palomas uma província evoluída, sem carroças, com espigões para todo lado, conjuntos arquitetônicos de vanguarda e até com passarelas para que o pobrerio, vigiado por câmeras, possa chegar, alguns dias, à beira das suas águas.

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