sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Mostras do fascismo tropical

“Compete a nós, segmentos esclarecidos e responsáveis da sociedade restabelecer as instituições rompidas e aprimorá-las, criando um núcleo monolítico de poder que seja garantidor da soberania nacional, que hoje nós não temos”.

Antônio José Ribas Paiva, em palestra no Clube Militar, em 13 de agosto de 2008.

“É necessário integrar os índios na nossa sociedade; nossa história é da mestiçagem, a política de demarcação da Funai vai contra os interesses da Nação e deve ser interrompida”.

General Gilberto Figueiredo, Presidente do Clube Militar, ao jornal Le Monde, em 8 de agosto de 2008.

As duas frases acima trazem uma temática muito conhecida dos povos latino americanos, ecos dos coturnos há muito tempo rejeitados pela opinião pública. Quando Antonio Paiva fala em um "núcleo monolítico de poder", esquece de mencionar que o país já teve tal modelo de governo, no último período, vigente entre 1964 e 1985.

"Nós os setores esclarecidos"... Mais uma vez a responsabilidade de livrar o Brasil da
possibilidade de ascenção de classes menos favorecidas, discurso disfarçado por ideais nacionalistas, paira sobre as elites e os "guerreiros" encarregados de manter seus privilégios.

O conflito que se desenvolve em torno da dermarcação da reserva contínua Raposa Serra do Sol, em Roraima, toma ares e contornos de um movimento golpista de cunho claramente identificável como fascista, separando a sociedade por castas, definidas como as que devem assimilar e as que devem ser assimiladas "É necessário integrar os índios na nossa sociedade".

Essa frase é emblemática, pode facilmente ser interpretada como " vamos por esses vagabundos para trabalhar", ou "não podemos ceder territórios para raças inferiores". Tais manifestações não podem encontrar reflexo na sociedade, mas infelizmente são reproduzidas dia e noite pela mídia corporativa, como se vivêssemos um grande perigo com tais "repúblicas de não-brasieleiros" em nosso território. Para os que não se recordam, a primeira e mais forte estratégia de conquista fascista é a disseminação de medos irracionais ao que pode parecer diferente.

Para o General Gilberto Figueiredo, a cultura indígena deve ser destruída para a manutenção da latifundiária. Um dia eles ainda condecoram Quartieros.

Abaixo o texto "Raposa Serra do Sol, luta antifascista" de Paulo Maldos do Conselho Indigenista Missionário, para a Agência Brasil de Fato.

Raposa Serra do Sol, luta antifascista

Os indígenas não pretendem proclamar vencedores os que invadiram suas terras. Ao contrário, estão enfrentando no STF mais uma batalha desta guerra secular

Paradigma da democracia
A luta em defesa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol tornou-se paradigma da defesa da diversidade étnico-cultural do Brasil, trazendo em si a luta por um novo projeto de Nação, caracterizado pela democracia política, pela igualdade social e pelo respeito à alteridade.

Esta luta é depositária das grandes mobilizações sociais dos anos 70 e 80, do combate à ditadura militar, das buscas pela redemocratização do país, da participação indígena e popular na Constituinte e na própria elaboração da Constituição de 1988.

A luta contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol traz em si seu oposto, ou seja, a defesa do projeto autoritário da ditadura militar, caracterizado pela utilização do Estado como instrumento de opressão de classe, da intolerância com relação ao diferente, de propagação da ideologia fascista.

O fascismo atualmente vem reaparecendo, como uma atitude reativa das elites internacionais e nacionais às lutas indígenas, populares e antiimperialistas em diversas partes do mundo.

São seus seguidores os políticos neoconservadores, os “neocons” norte-americanos, defensores da “guerra total” no Oriente Médio, no Iraque e no Afeganistão; antes defensores do apoio irrestrito às ditaduras militares na América Latina, da guerra nuclear mundial e da “solução final” contra o povo vietnamita, através do bombardeio atômico do antigo Vietnã do Norte.

São seus seguidores os membros da direita européia, racista e xenófoba, dedicada tenazmente a explorar, por um lado, e a segregar, localizar, prender e expulsar os imigrantes dos países pobres, principalmente africanos.

Outros seguidores estão nos países latino-americanos, nos quais os povos indígenas e setores populares estão avançando em conquistas sociais e políticas significativas, tais como Bolívia, Equador, Venezuela e, recentemente, Paraguai. Nestes países, antigos grupos oligárquicos retomam o discurso violento e preconceituoso e buscam rearticular forças civis e militares para bloquear os avanços da luta indígena e popular.

Seguidores ainda se encontram no Brasil, reativos frente aos avanços democráticos, quer seja devido à questão da demarcação das terras indígenas, quer seja devido ao debate sobre a imprescritibilidade dos crimes de tortura cometidos por agentes da repressão durante o regime militar.

Paradigma do fascismo
O movimento histórico em curso nos faz pensar sobre os paradigmas do fascismo e suas características ideológicas. E o caso paradigmático do fascismo encontramos na Guerra Civil Espanhola (1936 -1939).

Em 1936 a Espanha vivia um rico e diverso processo de lutas, tanto no campo como nas cidades, onde a República encarnava os sonhos de milhões de trabalhadores, portadores de uma grande diversidade de culturas e de orientações políticas de cunho revolucionário. A reação fascista aglutinou os setores mais reacionários da sociedade espanhola. Seu extremismo obscurantista levou-os a criar a palavra de ordem “Viva a morte!”, como bandeira contra os ideais republicanos.

Miguel de Unamuno, filósofo e reitor da Universidade de Salamanca, respondeu aos fascistas afirmando: “Há circunstâncias em que calar é mentir. Acabo de ouvir um grito mórbido e destituído de sentido: Viva a morte! Este paradoxo bárbaro é-me repugnante... Infelizmente, há hoje na Espanha doentes a mais. Um doente que não tem a grandeza de espírito de um Cervantes procura normalmente alívio nas mutilações que pode causar à sua volta”.

Democracia versus fascismo

A luta antifascista é a defesa da democracia e da diversidade sócio-cultural contra a rigidez e o monolitismo ideológico, que sempre enxerga no diferente um inimigo perigoso.

Nos últimos meses, Raposa Serra do Sol tornou-se símbolo das diversas tradições indígenas e camponesas do Brasil no embate com os invasores plantadores de arroz e seus apoiadores militares, símbolos da homogeneidade imposta pelo poder econômico.

É a luta dos cultivos indígenas milenares e das sementes crioulas familiares frente às sementes transgênicas, transposta para o campo da política e da cultura. Em sentido oposto, a semente transgênica estéril “terminator” é a transposição do grito “viva a morte!” para o campo dos cultivos agrícolas.

A combatividade dos povos de Espanha se manifestou nas batalhas corpo a corpo, casa a casa, território a território, cidade a cidade, região a região, até o último combatente republicano. O antifascista Negrin afirmou então: “Uma guerra só se perde se a considerarmos perdida. É o vencido que proclama o vencedor.”

As lideranças de Raposa Serra do Sol lançaram neste mês de agosto a Campanha “Anna Pata, Anna Yan” (Nossa Terra, Nossa Mãe) Resistir até o último índio.

Os povos indígenas não pretendem proclamar vencedores os que invadiram suas terras. Pelo contrário, estão enfrentando, no Supremo Tribunal Federal, apenas mais uma batalha desta guerra que já é secular.

Para o bem das nossas lutas por um Brasil democrático e plural, onde não caibam o fascismo nem a intolerância frente ao diferente.

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