terça-feira, 19 de agosto de 2008

Diário Gauche: "Dono da rua" morre na frente da Prefeitura de Porto Alegre

Diário Gauche:


Era o Zé

Policiais davam instruções precisas para uma dupla de garis. A ordem era limpar rapidamente a calçada, destacada por um cordão de isolamento colorido e bem esticado. A limpeza era o arremate do trabalho. Quem chegou primeiro já havia levado a informação maior, e de história concreta sobrava apenas um boné encardido, no canto de uma pilastra.

-“Morreu de frio”, disse o gari que varria a poeira dolorida do chão. Disse para si mesmo, já que o amontoado de pessoas que passava ignorava o fato e também o gari.

-“Foi um morador de rua que faleceu?”, perguntei.

-“É”, respondeu o policial constrangido. A expressão da face não dizia se o constrangimento era por atrapalhar o trânsito dos pedestres, ou por achar que a culpa também era sua.

Do outro lado da rua, um homem com sua sacola de latas nas costas olhava a esquina vazia. Invisível, disse para o vento: “Era o Zé”.

Isto aconteceu hoje, dia 19/08/2008, às 09h20 da manhã. O Zé morreu embaixo da marquise do Banco do Brasil, defronte ao Paço Municipal de Porto Alegre.

Ninguém viu.

Texto-depoimento de Thais Fernandes, 24 anos, jornalista.

A fotografia é meramente ilustrativa, não diz respeito ao fato ocorrido, hoje.

Nota do blogueiro:

De acordo com a matéria do jornalão da RBS de sábado, seria menos um estorvo nos caminhos do consumo? No caminho de "gente de bem"? Alguns membros de nossa produtiva elite não terão de levantar os pezinhos para passar por cima desse "Zé".

Mas quantos ainda faltam para que a voz dos privilegiados (Zero Hora) não tenha de reclamar de sua indesejada presença nas ruas?

Um comentário:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Todo mundo que vive em Porto Alegre sabe que existem albergues para as pessoas jantarem, dormirem e tomarem café. Existem diversos. Dormir na rua é opção. A maioria das pessoas que dorme na rua tem problemas com drogas, alcoolismo ou são pedintes que fazem da esmola sua fonte de renda. São histórias tristes que não podem ser generalizadas. Essas pessoas são exceções, elas não são o gênero. Se você circular por Berlim, Nova York, Paris vai encontrar pessoas que dormem na rua como em Porto Alegre. É opção delas. O que parece demagogia é colocar esse problema como se fosse um imenso problema social. Porque não é. E isso se chama demagogia. Parabéns pelo Blog.